Se os últimos anos nos ensinaram alguma coisa é que a tradicional Cadeia de Suprimentos, pensando especificamente como e onde os produtos são obtidos, fabricados e distribuídos – é extremamente frágil diante de graves rupturas.
A pandemia afetou 98% das Cadeias de Suprimentos globais, de acordo com uma pesquisa Resilience 360 (agora chamada Everstream), e as indústrias que no passado investiram significativamente em offshoring para reduzir custos, viram aumentos dramáticos nas suas taxas de risco.
O que é Reshoring?
Em oposição ao offshoring, o movimento de saída de muitas indústrias de países ricos para países emergentes e de mão de obra mais barata que marcou as últimas décadas, o reshoring é trazer a produção de volta para o país de origem da empresa.
Com a guerra na Ucrânia e os lockdowns recentes na China devido aos novos surtos de coronavírus, as empresas americanas além de retornarem suas produções, tem adotado versões expandidas de reshoring, como o onshoring – produção no país de consumo – e o nearshoring cujo objetivo é encurtar as cadeias de produção buscando fabricantes em países mais próximos, como o México, Canadá ou para a América Latina.
O desafio da Gestão de Risco por trás do Reshoring
O racional do reshoring não considera apenas o aumento da resiliência das Cadeias de Suprimentos e o respectivo impacto financeiro mesmo quando positivo, como uma redução nos custos de frete, mas também a possibilidade das empresas terem mais acesso a cada etapa do processo de produção com critérios rígidos em relação às leis trabalhistas e ao meio ambiente.
“E o plano de recuperação da União Europeia tem claramente um ‘eixo de recuperação verde’, um ‘green new deal'”, lembra Rafael Cagnin em entrevista concedida a Revista Época, referindo-se ao programa de orçamento da EU para os próximos anos.
A decisão de reshoring na realidade, envolve vários fatores que levam em consideração riscos diversos na Cadeia de Suprimentos como a falta de estoque, o impacto de novas pandemias, possíveis greves nas docas, variação de tarifas, riscos de propriedade intelectual e até incentivos governamentais.
Veja abaixo os principais motivos apontados pelas empresas para adoção do reshoring, segundo o movimento Reshoring Initiative:
Prós comumente citados de Reshoring e Cadeias de Suprimentos domésticas:
- Proximidade com clientes/mercado
- Incentivos governamentais
- Otimização da Cadeia de Suprimentos
- Disponibilidade de mão de obra qualificada
- Imagem de marca
- Infraestrutura
- Impacto na economia doméstica
- Prazos de entrega
- Automação / tecnologia
- Capacidade de resposta do cliente
Por outro lado, transferir a produção de volta para os países de origem das empresas tanto para as empresas americanas como europeias, envolve desafios significativos:
- Mão de Obra especializada
A força de trabalho qualificada nos Estados Unidos não está à altura do nível de qualificação da força de trabalho na Alemanha, Suíça, Japão e alguns outros países que têm melhor educação básica e programas de aprendizado e treinamento. Nesses países, a produtividade industrial é maior.
Outra questão envolve a experiência de fabricação perdida com a transferência da produção refletida diretamente pelos índices de emprego industrial americano nos últimos anos, e que levará tempo e recursos para recuperar.
- Restrições e Legislação ambientais
As regulamentações ambientais podem ser uma barreira para empresas interessadas em reshoring, principalmente em território americano. A China por exemplo, permitiu alguns processos que foram proibidos nos EUA, como certos produtos químicos para galvanização.
Na mesma linha, a fabricação farmacêutica mudou-se para a Índia e também para a China, não por causa dos custos, mas porque o processo de produção envolvia produtos químicos altamente poluentes.
A Europa também exige tecnologia de fabricação limpa.
Sob outra perspectiva, porém, as preocupações com a poluição favorecem o reshoring. A matriz energética da China e asiática como um todo, é majoritariamente fóssil com queima de carvão. Uma vez fabricado, o produto é enviado para o outro lado do mundo, o que queima mais combustível. Assim, o impacto ambiental chega a ser até 50% maior do que a fabricação nos EUA.
- Mão de Obra Intensiva e Custos Trabalhistas
Não faz sentido realocar indústrias de mão-de-obra intensiva, onde a mão de obra é uma parcela maior da estrutura geral de custos.
Isso inclui fabricação de móveis e vestuário, embora a infraestrutura seja mais fácil de transportar. Nos últimos anos, algumas manufaturas de vestuário deixaram a China, mas não chegaram exatamente aos EUA, mudando para o Vietnã e para o Camboja.
Nesse contexto onde o custo da mão de obra é um vetor importante, o modelo de nearshoring apresenta soluções mais competitivas para as empresas americanas quando comparamos o custo dos salários na China com o México.
Além disso, as empresas que controlam sua própria fabricação podem mudar ou escolher mais facilmente onde fabricar, em comparação com as empresas que fazem uso de fabricantes terceirizados (outsorcing) e têm menos controle sobre a fabricação.
A realidade é que muitas multinacionais americanas e europeias subestimaram os custos associados à produção na China ou na Ásia, e a severidade do impacto de eventos raros na Gestão de Risco das suas Cadeias de Suprimentos.
O coronavírus expôs falhas ao depender da fabricação no exterior principalmente para itens críticos, mas não é o único fator, ou mesmo o fator determinante, nas empresas que repensam seus planos de fabricação.
Porém, tudo indica que o reshoring, com esse novo posicionamento ágil e dinâmico que mescla diferentes estratégias e localizações de produção, continuará sendo um elemento vital das novas e mais resistentes Cadeias de Suprimentos.